Um
período de recessão é caracterizado por um declínio significativo da taxa de
crescimento econômico de alguma nação, o que se repercute, entre outras coisas,
na diminuição do crédito dos consumidores que, consequentemente, reduzem
significativamente o consumo. Porém, a psicologia já vem demonstrando que, em
períodos de recessão econômica, os produtos de beleza não apresentam queda nas
vendas. Muito pelo contrário, seu consumo fica intensificado, principalmente
por parte do público feminino, caracterizando um fenômeno que recebe o nome de:
“Efeito Batom” (Lipstick Effect).
Na
sequência apresentarei os resultados de uma pesquisa bastante inovadora,
publicada em Maio de 2012 no Journal of
Personality and Social Psychology (fator de impacto: 5.076), realizada com
a colaboração do eminente psicólogo evolucionista Vladas Griskevicius. Foi a
primeira grande pesquisa a apresentar evidências contundentes de que o “Efeito
Batom” existe, e a defender uma hipótese evolucionista consistente e capaz de
explicá-lo.
O
primeiro passo da pesquisa foi levantar uma enorme quantidade de dados
referentes às vendas de diversos tipos de produtos (entre eles, os relacionados
à beleza) ao longo dos últimos 20 anos nos EUA, e comparar esses índices de
consumo em períodos de recessão, com os períodos de normalidade econômica. Isso
os permitiu constatar uma associação significativa entre “recessão” e “maior
aquisição de produtos de beleza”.
Porém,
esse resultado, por si só, é incompleto. Afinal: Seria esse aumento realmente provocado
pelas mulheres, ou pelos homens? Por isso, na sequência irei descrever alguns
outros pequenos experimentos que os cientistas foram desenvolvendo para elucidar
alguns pontos de dúvida que iam surgindo. Lembrando que todos os experimentos foram
descritos num mesmo artigo (ver a referência no fim do texto).
Os
pesquisadores então solicitaram a homens e mulheres que escolhessem alguns
produtos dentre uma lista oferecida a cada participante. O detalhe é que uma
metade desses participantes havia lido previamente um texto que abordava a
crise econômica, enquanto que a outra metade leu um artigo que falava sobre
arquitetura e urbanismo. Os resultados demonstraram que apenas no grupo das
mulheres houve uma diferença significativa entre a escolha de produtos de
beleza, sendo que aquelas que leram o texto sobre crise econômica antes, apresentaram
uma tendência significativamente maior a escolher esses produtos, em detrimento
de outros. Isso significa que esse parece ser sim um “efeito batom”, e que ele
é quase totalmente restrito ao sexo feminino (lembrando que estamos falando em
médias, o que significa que nem todas as mulheres sofrem esse efeito).
Contudo,
ainda com o objetivo de esclarecer melhor o fenômeno, os pesquisadores conduziram
um terceiro experimento tentando examinar a possibilidade de esse ser um mero
efeito da recessão econômica em si. Ou seja, já se sabe que em períodos de
crise, as pessoas tendem a consumir objetos menos caros, e que uma maquiagem é
bem mais barata que um computador ou algum outro eletrônico, logo, faria
sentido se as pessoas consumissem mais produtos de beleza simplesmente por eles
custarem menos.
Para
estudar essa possibilidade, os pesquisadores apresentaram às mulheres produtos
de diferentes valores. O que eles verificaram foi um efeito um tanto quanto
paradoxal. Em condições de crise financeira, as mulheres preferem produtos de
beleza mais caros e que tenham uma eficácia melhor comprovada, em relação a
outros produtos que não tenham relação com a beleza. Ou seja, elas literalmente
deixam de comprar outras coisas, para comprar maquiagem, mesmo se essa for cara
(aliás, quanto mais cara, mais desejada).
Agora
é o momento de explicar: “Por que elas fazem isso?”.
Sempre
que queremos explicar “o porquê” de algum comportamento, precisamos pensar em
escala filogenética. Ou seja, temos que considerar a razão de tal comportamento
ter sido selecionado ao longo do processo evolutivo. Em suma: qual a função
daquele comportamento para a sobrevivência ou reprodução do indivíduo?
Sabe-se
que há uma diferença de gênero bem marcante com relação aos critérios de
seleção de parceiros. Ou seja, homens e mulheres desejam – por natureza –
características diferentes em seus/suas parceiros(as). Esse é um assunto
exaustivamente estudado pela psicologia evolucionista (que de tempos em tempos
apresenta novas evidências acerca de características diferentes) porém, para
resumir, pode-se dizer que os homens tendem a priorizar sinais de beleza e
juventude na hora de selecionar uma parceira, enquanto que as mulheres tendem a
priorizar sinais de status e poder no momento de selecionar seu parceiro. Essa
é a razão pela qual os homens competem tanto entre si para serem reconhecidos
como “poderosos” (pois isso chama a atenção das mulheres), enquanto que as
mulheres competem entre si para serem reconhecidas como “belas” (pois isso
chama a atenção dos homens).
Partindo
dessas constatações (solidamente embasadas em evidências científicas), é
possível levantar a hipótese de que o aumento significativo do consumo de
produtos de beleza por parte das mulheres em períodos de crise econômica serve
para que elas fiquem mais atraentes e consigam se destacar, atraindo homens com
maior capacidade de prover recursos (quando esses estão escassos), o que as
ajuda tanto na sobrevivência quanto na reprodução.
Essa
hipótese foi confirmada pelo último experimento descrito neste artigo. Os
pesquisadores puderam concluir que esse “Efeito Batom” é significativamente
mais evidente entre as mulheres solteiras e que estão à procura de parceiros
para relacionamento de longo prazo. Isso porque, ao selecionar um parceiro para
compromisso de longo prazo, as mulheres são muito mais exigentes quanto à
capacidade deste homem em prover recursos.
Por
isso, a ideia é que elas se embelezam mais, na tentativa de capturar a atenção
do “macho alfa” (rico, influente e poderoso), e assim conseguir passar pelo
período de recessão sem tanta preocupação.
Nota:
Caso
você tenha se interessado em saber mais sobre os “critérios de seleção de
parceiros”, assista a minha palestra intitulada: “A Princesa & O Cafajeste: A Psicologia do Amor” disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YPqiBl3G8Kg
Referência:
HILL, S. RODEHEFFER,
C. GRISKEVICIUS, V. DURANTE, K. WHITE, A. Boosting
beauty in an Economic Decline: mating, spending, and the Lipstick Effect.
Journal of Personality and Social Psychology, vol. 103, n° 2, 2012.
Fonte da imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNshjLLZ4DL1NKMz2ie6e1YN9dnlhXvuAzqeWtISVmuLymbbN1WH9QCP-SfLslX1BQO4upSNvkkWh_sl6zBYltHdaIzemOfj0nEWJWkjoumk_F_Zgu6-P9suT4IHy_vQwJsQI3CT9JyQw/s870/header.png
seu texto foi simplismente fantastico. me inspirou a pensar coisas novas
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