domingo, 19 de agosto de 2012

TEXTO: O Caos de Gotham City e Nossa Natureza Social


O CAOS DE GOTHAM CITY E NOSSA NATUREZA SOCIAL
Por Thales Vianna Coutinho

    De vez em quando Hollywood nos surpreende com o lançamento de um filme de super-herói que não se resume a um “007” vestindo malha colorida. E apesar de não ser necessariamente profundo, esse tipo raro de filme introduz algumas temáticas interessantes que podem ser “fisgadas” com o objetivo de promover uma reflexão sobre a natureza humana. Evidentemente há filmes muito mais complexos a serem discutidos, porém, acredito que usando como ilustração uma obra que – devido ao enorme apelo popular – é conhecida por quase todos, a reflexão fica mais interessante, logo, eficiente.
    No filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, o vilão da história (Bane) é um terrorista que acaba por isolar Gotham City do resto do mundo, prender todos os policiais no subterrâneo e libertar os presidiários. A partir de então, ao invés de a sociedade se auto-organizar e manter a ordem, na ausência de policiamento a cidade entra em estado de calamidade.
     Mas por que isso acontece? Por que a sociedade se parte quanto não há vigilância?
   Uma pesquisa publicada em 2006 na prestigiosa revista “Science” desenvolveu um método bastante interessante e simples para comprovar as vantagens da punição na sociedade, o que ajuda a responder a esta pergunta.
    O método utilizado foi um jogo coletivo que funcionava da seguinte maneira: cada sujeito recebia uma quantia “X” de dinheiro, e a cada rodada precisava escolher quanto daquele dinheiro seria depositado em um fundo comum do grupo. Essa escolha variava de 0 até “X” (total recebido). No fim da rodada, aquele dinheiro depositado no fundo comum era repartido igualmente entre todos os sujeitos, não importando quanto cada um tinha doado. Mas havia outra variável no jogo: o tipo de regra (que representa a política social). Uma das “sociedades” jogava com a regra da liberdade total e ausência de punição, ou seja, cada um contribuía com o quanto quisesse – mesmo se fosse com nada – e embolsava a fração do grupo no final; enquanto que no outro modelo de sociedade a regra era diferente, havia punição para quem contribuísse com um valor muito abaixo da média.
     O que a pesquisa descobriu foi que, apesar de no início haver uma preferência pela sociedade livre da punição, após poucas rodadas quase todos os participantes haviam migrado para o modelo de sociedade que punia os egoístas. Isso mostra que a medida repressiva promove a cooperação entre as pessoas, e quando essas medidas não estão presentes, manifestamos mais frequentemente comportamentos egoístas.
     Mas, fora do laboratório, há alguma evidência que aponte a necessidade das medidas repressoras para que o caos social seja evitado? Sim. O eminente psicólogo Steven Pinker, em seu livro “Tábula Rasa” (2004) relata o evento decisivo que pôs fim aos seus ideais anarquistas. Trata-se do episódio que aconteceu em Montreal na manhã do dia 17 de Outubro de 1969, quando a polícia entrou em greve. No fim daquele único dia, 6 bancos haviam sido assaltados, 100 lojas haviam sido saqueadas, 12 incêndios foram provocados, e mais de 3 milhões de dólares em prejuízos haviam sido registrados, até que foi necessário chamar o Exército para “colocar ordem no pedaço”.
   Evidentemente, alguns têm maior propensão que outros a desafiar normas estabelecidas. Porém, as investigações científicas e os fatos históricos nos fazem crer que, diante de uma situação semelhante à retratada no filme (mesmo sem a parte de libertação dos criminosos), a sociedade viraria um caos. Por isso é necessário frisar a importância e zelar pela qualidade e permanência do policiamento nas cidades.
     Longe de ser uma defesa à repressão – afinal, a liberdade é um direito de todos – o objetivo foi demonstrar alguns dados que nos façam repudiar com consciência frases do tipo “A Polícia é uma instituição desnecessária” e reconhecer – ao invés de negar – nossa natureza social oportunista.


REFERÊNCIAS:
GURERK, O. et al. The competitive advantage of sanctioning institutions. Science, nº 312, 2006.
PINKER, S. Tábula Rasa. Companhia das Letras: Rio de Janeiro, 2004.

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